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Lei da Protecção dos Consumidores de Macau: Contratos de fornecimento de bens de consumo

March 23,2022

por: Kimi Chan, Jurista

A Lei n.º 9/2021, “Lei da protecção dos direitos e interesses do consumidor”, actualmente em vigor, regula os contratos de fornecimento de bens de consumo (Capítulo V, Secção I). Na Lei é definido claramente o âmbito de aplicação das normas legais desses contratos: contratos de compra e venda de bens de consumo e contratos de fornecimento de bens de consumo, incluindo o contrato de empreitada e o contrato de locação.

Para efeitos da aplicação do regime, torna-se necessário esclarecer o que é um bem de consumo, ou seja, se:

  1. é fornecido pelo operador comercial ao consumidor;
  2. é um bem corpóreo, o que exclui bens virtuais;
  3. é um bem móvel; 
  4. é para uso não profissional por parte dos consumidores.

A Lei da protecção dos direitos e interesses do consumidor prevê que o operador comercial tem o dever de entregar aos consumidores bens de consumo que estejam em conformidade com o contrato. 

O que é um bem de consumo conforme com o contrato?

A conformidade do bem de consumo com o contrato deve ser determinado caso a caso, mas em particular, o bem de consumo deve verificar as seguintes condições:

  1. Corresponde à quantidade, qualidade e tipo estipulados no contrato;
  2. Está acondicionado ou embalado de acordo com a forma estipulada no contrato;
  3. É fornecido com os acessórios, instruções de instalação ou ainda outras instruções previstas no contrato;
  4. É apto para o uso específico para o qual o consumidor o destine e do qual tenha informado o operador comercial quando celebrou o contrato e que o mesmo aceitou.

Refira-se que se considera o bem de consumo legalmente em conformidade com o contrato, apesar de poder haver desconformidade substancial, se, antes da celebração do contrato, o operador comercial informar e esclarecer o consumidor dessa falta de conformidade. Isto porque se, dentro dos pressupostos da referida comunicação, o consumidor optar por contratar com o operador, significa que aceita a existência da referida “falta de conformidade”. Assim, o exercício dos direitos conferidos aos consumidores por lei, com fundamento na falta de conformidade entre o bem de consumo e o contrato, quando uma eventual desconformidade tiver sido comunicada previamente poderá constituir abuso de direito.

No nosso dia-a-dia, pode não haver um acordo claro entre o consumidor e o operador comercial. 

Como é que se deve aferir se os bens de consumo estão em conformidade com o contrato?

A lei presume a conformidade com o contrato, dos bens de consumo fornecidos pelo operador comercial, desde que o bem de consumo:

  1. Seja apto para as utilizações para as quais normalmente são destinados os bens de consumo desse tipo;
  2. Possua as qualidades e o desempenho dos bens de consumo que o operador comercial apresentou como amostra ou modelo;
  3. Apresente as qualidades, o desempenho e outras características, nomeadamente no que respeita à durabilidade e compatibilidade, que são habituais nos bens de consumo do mesmo tipo e que o consumidor pode razoavelmente esperar, atendendo à natureza do bem de consumo e, eventualmente, às declarações públicas sobre as suas características concretas feitas pelo operador comercial, pelo produtor, fabricante, importador ou distribuidor, nomeadamente na publicidade ou na rotulagem;
  4. Em condições de uso normal ou razoavelmente previsível, apresente a segurança para a saúde e integridade física das pessoas usual nos bens de consumo desse tipo.

Falta de conformidade entre o bem de consumo e o contrato

Primeiramente, para determinar se os bens de consumo estão em conformidade com o contrato, esta deve ser aferida por referência ao seu estado no momento em que o bem é entregue ao consumidor, ou seja, verificamos se os bens de consumo entregues estão em conformidade com o contrato nesse momento, independentemente do seu estado no momento da celebração do contrato.

O operador comercial é responsável pela falta de conformidade do bem de consumo durante um ano a contar da entrega da mesma, a que nos referimos como o período de responsabilidade de um ano. No caso de verificação de falta de conformidade do bem de consumo no prazo de seis meses a contar da data de entrega do bem de consumo presume-se que já existia no momento da sua entrega.

A lei estabelece aqui um mecanismo de protecção especial aos consumidores uma vez que o legislador, tendo em conta que a prova da “falta de conformidade” no momento da entrega pode revelar-se extremamente difícil, inverte o ónus da prova para as desconformidades verificadas nos primeiros seis meses após a entrega do bem de consumo. 

Em consequência a referida presunção apenas poderá ser afastada quando esteja em causa um bem perecível, ou quando a falta de conformidade pela sua natureza nunca podia ter existido no momento da entrega, ou quando o operador consiga provar que a falta de conformidade ocorreu posteriormente à entrega do bem de consumo.

Quais são os direitos específicos dos consumidores quando descobrem que o bem de consumo não está em conformidade com o contrato?

Os consumidores podem, sem encargos, exigir ao operador comercial a reparação, substituição, redução do preço ou resolução do contrato do bem de consumo. Em princípio, os consumidores podem optar pelo exercício de qualquer desses direitos. Não havendo, em princípio, precedência, salvo se tal exercício for impossível, as exigências sobre o operador comercial forem desproporcionadas ou constituir abuso de direito, o consumidor só pode optar por exercer os direitos que ainda são possíveis, proporcionais ou que não constituem abuso de direito. 

Caso o consumidor opte por exigir a reparação ou substituição de bens de consumo, o operador comercial deve, em princípio, concluir no prazo de 30 dias a contar da data da devolução. Se a reparação ou substituição não for possível no prazo de 30 dias, o consumidor pode optar por exercer outros direitos, tais como a redução do preço ou a resolução do contrato.

Por outro lado, para uma protecção mais eficaz dos consumidores, desde que o consumidor informe ao operador comercial que o bem de consumo não está em conformidade com o contrato, se o consumidor for inibido de utilizar o bem de consumo devido à necessidade de inspecção, reparação ou substituição do bem de consumo, o período de tempo durante o qual o consumidor estiver inibido de utilizar o bem de consumo não será contado para o período de responsabilidade de um ano supramencionado.

Prazo para o exercício dos direitos dos consumidores

Caso o consumidor detecte desconformidade entre o bem de consumo e o contrato, deve denunciá-la ao operador comercial no prazo de 30 dias após a detecção. Se, decorridos os 30 dias, a mesma não tiver sido comunicada, o seu direito caduca.

Os direitos do consumidor acima referidos, incluindo o seu exercício através da via judicial ou arbitral caducam no prazo de seis meses  a contar da denúncia da desconformidade no prazo acima referido.  Este prazo de caducidade suspende-se, contudo,  durante o período em que o consumidor se achar privado do uso do bem por motivo de avaliação, reparação ou substituição do referido bem.

Finalmente, o operador comercial goza de direito de regresso, podendo demandar, pelos prejuízos sofridos em função da desconformidade dos bens, o produtor, o fabricante, o importador, o distribuidor e demais fornecedores.

Para obter mais informações sobre este assunto e as particularidades do seu caso, por favor contacte a C&C Advogados e Notários. 

Kimi Chan, Jurist | kimi@ccadvog.com

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